1 NO JOGO DA ARTE
Lindomar da Silva
Araujo[1]
Este artigo
apresenta um estudo reflexivo e bibliográfico acerca da alfabetização e suas perspectivas
pedagógicas em diálogo com a arte-educação, mais especificamente com o ensino
do Teatro, pela prática dos jogos de improvisação teatral. Sua relevância
encontra-se no cenário atual da educacional formal, que aponta a necessidade de
liquidar com o déficit de aprendizagem, inclusive no nível da alfabetização. O
problema de defazagem escolar se arrasta por décadas e com as constantes crises
sociais e políticas, resultantes da globalização, vem se agravando. É
perceptível os esforços dos governantes e da sociedade civil em vencer os
constantes obstáculos, que se estabelecem frente aos processos de alfabetização.
Entendemos a lógica
da alfabetização como capacitação para decifrar os códigos das palavras
(grafemas/fonema), suas articulações e a construção de conceitos, considerando
nesse processo os currículos ocultos dos sujeitos. Assim, uma dinâmica de
aprendizagem que percorre as concepções de “alfabetização e letramento”. Nesse
perspectiva, identifica-se frequentemente a ausência do letramento em crianças
e jovens, quando se verifica os índices oficiais de avaliação escolar.
A escola pública é
um lugar para todos, um território democrático, que nos apresenta uma
diversidade de práticas educativas, formando uma teia de tendências e métodos
pedagógicos localizada nas atividades nucleares, ou melhor, no currículo. Essa
trama multiforme intensifica os desafios que a alfabetização enfrenta ao longo
de décadas, mesmo apresentando oscilações positivas[2][3].
Os primeiros anos do ensino fundamental tende a repercutir nos níveis de sucesso
escolar em fases posteriores. Isto, porque alfabetização é uma etapa para sedimentar
bases e inserir o indivíduo na cultura escrita, no mundo letrado. Se
desenvolve, assim, uma apropriação de atitudes, valores e instrumentos da
coletividade, que possibilita o sujeito construir e significar conhecimentos de
forma complexa.
Nessa perspectiva,
refletimos a articulação de alfabetização pelo ensino da Arte, mais
especificamente pela pedagogia do Teatro, intervindo na fissura que se forma na
polarização de tendências pedagógicas e práticas metodológicas existentes nas práxis de professores e professoras que
atuam neste segmento escolar. Apontamos, primeiro, algumas especificidades do
jogo de improvisação teatral e, em seguida, algumas prospecções relativas ao
trabalho integrado entre alfabetização e jogo teatral.
2
improvisação e jogo teatral
A espontaneidade é a base da improvisação teatral, que permite aos
sujeitos adentrarem o território do faz-de-conta, da possibilidade de mundos, que
só a imaginação pode guiar. Pertence aos limites do espontâneo gerar a
liberdade pessoal, que viabiliza organicamente a exploração da realidade,
provocando momentos de descobertas e de expressões criativas.
O jogo teatral, segundo Koudela (2004, p. 44), objetiva deslocar o
sujeito do jogo dramático, um faz-de-conta de caráter subjetivo, para a
realidade objetiva da cena teatral, pela dinâmica que “pode ser comparada com a
transformação do jogo simbólico (subjetivo) no jogo de regras (socializado)”.
Um mecanismo de simulação coletiva de mundos, com a possibilidade do
deslocamento tempo-espaço na realidade hipotética.
A ludicidade do jogo é formalizada na medida em que se estabelece regras
comuns a todos, envolvendo soluções de problemas, que provoca a alternativas a
serem perseguidas. Assim, o jogo teatral, ao ser instaurado, com regras claras
e problemas bem definidos, possibilita desenvolver nos sujeitos os sentidos de
concentração, imaginação e criatividade.
A não imposição de modelos ou critérios de julgamento propicia aos
jogadores a liberdade para se expor e agir em cena. Na perspectiva de Spolin (2008,
p. 25), “o jogo teatral passa necessariamente pelo estabelecimento do acordo de
grupo, por meio de regras livremente consentidas entre os parceiros. O jogo
teatral é um jogo de construção com
linguagem artística”. Essa liberdade de vivenciar o presente, acionada pela dinâmica
do jogo, deve ser preservada para manter a energia criativa que,
consequentemente, se instaura no desenvolvimento da improvisação teatral.
Outro parâmetro essencial ao jogo é afastar o julgamento arbitrário,
para evitar a imobilização diante dos critérios de aprovação e desaprovação, inclusive,
qualquer medida que apresente caráter autoritário. De acordo com Spolin (2001,
p. 6), desde que nascemos vivenciamos a qualificação entre o bom e o mau e “nos
tornamos tão dependentes da tênue base de
julgamento de aprovação/desaprovação que ficamos criativamente
paralisados”.
O jogo de improvisação teatral só
pode ocorrer na coletividade, assim como o próprio teatro é uma arte
eminentemente coletiva. Exige, por isso, certo grau de relacionamento do grupo,
baseado em acordos comuns e na liberdade de expressão. Para Spolin (2001, p.
9), “a participação e o acordo de grupo eliminam todas as tensões e exaustões
da competição e abrem caminho para a harmonia”. Nessa direção, o educador deve
participar como um estimulador à participação de todos dentro de suas
capacidades individuais e pessoais.
Todos os envolvidos no jogo teatral precisam compreender a importância
do trajeto percorrido até o resultado do problema ou conflito teatral, pois
nesse percurso são acessados códigos e elementos da linguagem cênica. Assim, além
de afastar as tensões sobre processos espontâneos criativos, direciona o foco
para elementos constitutivos da linguagem teatral e permite progredir a
produções artísticas.
Um elemento que torna o jogo
teatral diferente do jogo dramático, é a plateia ou público. No jogo dramático
(Slade, 1978), se dispensa a audiência, pois trabalha a dimensão pessoal do
indivíduo, explorando o espaço e assumindo a responsabilidade de representar um
papel, que pode expressar pessoas ou coisas. Diferentemente, o jogo teatral
(Spolin, 2001), se instaura com o uso da triangulação teatral: ator-texto/ação-público.
Nas improvisações, ao se posicionar como público e apreciar o processo de
criação dos colegas, o sujeito nesta dimensão percebe a si mesmo no outro e se
solidariza com as investidas criativas, que por vezes desestabiliza o ato de
improvisar.
Com a possibilidade de imaginar mundos, personagens e acontecimentos
específicos, ou melhor, simular realidades, o jogo teatral proporciona vivência
de experiências que podem ser transpostas à vida cotidiana. Esta
particularidade do teatro amplia a habilidade da pessoa de se envolver com o
seu próprio mundo, tornando-se mais crítico e reflexivo. Nesse sentido,
desenvolve caminhos para a autonomia e a conquista da cidadania.
Um elemento do jogo teatral, que não se pode ignorar é a “fisicalização”,
cujo objetivo é comunicar alguma coisa à audiência (plateia) pela expressão
física. Uma forma de levar o indivíduo a encontrar caminhos para acessar as
suas memórias emotivas, de forma prática e lúdica. A fiscalização desencadeia
um alerta sobre o organismo (psicomotor), estimula a imaginação e desenvolve um
processo individual de comunicação do ator com a plateia.
Os jogos teatrais se desenvolvem com algumas estratégias que lhe são
peculiares, tais como a resolução de problemas e o ponto de concentração ou
foco. A primeira estratégia, referencia esta metodologia como tendência
construtivista, por permitir ao sujeito diferentes possibilidades de elaboração
do saber a partir da própria perspectiva. A segunda, trata dos mecanismos de
concentração, que visam impedir a dispersão no momento do jogo.
Durante o jogo teatral é preciso que a atenção fique direcionada ao
problema a ser resolvido e não se disperse, mantendo-se o ponto de
concentração. Assim, esses dois elementos estão sempre atrelados, objetivando a
progressividade do jogo. De acordo com Spolin (2001, p. 20), o ponto de
concentração oportuniza apontar para um único ponto no problema de atuação, desenvolvendo
assim a capacidade de resolver problemas e de se relacionar com os outros.
Nos exercícios de jogos teatrais existe a possibilidade de especificar,
ainda mais, a concentração do atuante, quando se estabelece os elementos “Onde”
(lugar), “Quem” (personagem) e “O que” (ação). Ao se identificar e propor esses
parâmetros, a concentração e a capacidade de resolução do problema se
amplificam, tornando o jogo mais dinâmico e potente.
3
O JOGO TEATRAL NA ALFABETIZAÇÃO
Para além da condição de saber ler e escrever, o letramento consiste na
capacidade de exercitar as práticas de leitura e escrita existentes no meio
social, inclusive, considerando a cultura da oralidade. Nessa perspectiva, a
prática do jogo teatral possibilita acessar as mais variadas vivências e
experimentar outras maneiras de agir e interagir na sociedade.
Um aspecto relevante, no ato de alfabetizar pelos jogos teatrais, é a
lógica da comunicação sendo articulada na estrutura do jogo. A todo momento, o
jogador é mergulhado em tomadas de decisões, tanto em relação às informações
manipuladas no drama da cena quanto à comunicação referente ao diálogo, fator
essencial à ação teatral.
O teatro é uma linguagem que possibilita a simulação de mundos ainda
impensados e narrativas híbridas e polissêmicas, que podem facilitar o processo
de alfabetização. Esta contribuição do teatro é alcançada quando se exige ao
estudante imaginar e construir realidades, da mesma forma que no processo de
alfabetização utiliza-se mecanismos de comparação, analogia e estruturas
metafóricas.
Ao entender a escrita como um sistema simbólico de representação da
realidade, podemos colocar a linguagem teatral como importante meio de acesso
aos códigos dessa escrita. Em razão do teatro apresentar mecanismos concretos
de representação e, ainda, ser capaz de metaforizar realidades. Assim, o jogo
teatral não apenas sensibiliza as crianças ao mundo letrado, como também
promove a aprendizagem pela concretude de elementos que são essenciais à
alfabetização.
O ensino do Teatro na escola se coloca para a alfabetização estética dos
estudantes, de forma que eles se apropriem, dentro do possível, dos seus
códigos estético-artísticos e façam novas e diferentes leituras de mundos.
Assim, o teatro-educação carrega em sua essência perspectivas educativas, que
se comparam ao processo de alfabetização e letramento, principalmente quando
aponta à construção de narrativas.
O processo de alfabetização escolar exige do professor um amplo trabalho
de pesquisa e planejamento, que deve considerar os sujeitos, as suas realidades
e vivências. É nesse momento, que acreditamos numa possível parceria entre
professores de Arte e de Educação Infantil, para encaminhar ações que
potencializem a aprendizagem dos estudantes, acessando abordagens metodológicas
e perspectivas epistemológicas que redimensionem o ato de alfabetizar.
6
Referências
KOUDELA, Ingrid Dormien, Jogos teatrais. São Paulo: Perspectiva,
2004.
SLADE, Peter. O jogo dramático infantil. São Paulo:
Summus, 1978.
SPOLIN, Viola. Jogos teatrais para a sala de aula: um manual para o professor. São
Paulo: Perspectiva, 2008.
SPOLIN, Viola. Improvisação para o teatro. São Paulo: Perspectiva, 2001.
PALAVRAS-CHAVE: Alfabetização; Arte; Jogo teatral; Ensino do Teatro.
[1]
Professor de Artes Cênicas na Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Mestre em
Ensino das Artes Cênicas pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
– UNIRIO.
[2] Ver
detalhes em pesquisa do IBGE. Disponível em: https://brasilemsintese.ibge.gov.br/educacao.html
Acessado em: 30 Mai 2018.
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