segunda-feira, 4 de junho de 2018

Alfabetização no Jogo da Arte


1 NO JOGO DA ARTE


Lindomar da Silva Araujo[1]


Este artigo apresenta um estudo reflexivo e bibliográfico acerca da alfabetização e suas perspectivas pedagógicas em diálogo com a arte-educação, mais especificamente com o ensino do Teatro, pela prática dos jogos de improvisação teatral. Sua relevância encontra-se no cenário atual da educacional formal, que aponta a necessidade de liquidar com o déficit de aprendizagem, inclusive no nível da alfabetização. O problema de defazagem escolar se arrasta por décadas e com as constantes crises sociais e políticas, resultantes da globalização, vem se agravando. É perceptível os esforços dos governantes e da sociedade civil em vencer os constantes obstáculos, que se estabelecem frente aos processos de alfabetização.
Entendemos a lógica da alfabetização como capacitação para decifrar os códigos das palavras (grafemas/fonema), suas articulações e a construção de conceitos, considerando nesse processo os currículos ocultos dos sujeitos. Assim, uma dinâmica de aprendizagem que percorre as concepções de “alfabetização e letramento”. Nesse perspectiva, identifica-se frequentemente a ausência do letramento em crianças e jovens, quando se verifica os índices oficiais de avaliação escolar.
A escola pública é um lugar para todos, um território democrático, que nos apresenta uma diversidade de práticas educativas, formando uma teia de tendências e métodos pedagógicos localizada nas atividades nucleares, ou melhor, no currículo. Essa trama multiforme intensifica os desafios que a alfabetização enfrenta ao longo de décadas, mesmo apresentando oscilações positivas[2][3]. Os primeiros anos do ensino fundamental tende a repercutir nos níveis de sucesso escolar em fases posteriores. Isto, porque alfabetização é uma etapa para sedimentar bases e inserir o indivíduo na cultura escrita, no mundo letrado. Se desenvolve, assim, uma apropriação de atitudes, valores e instrumentos da coletividade, que possibilita o sujeito construir e significar conhecimentos de forma complexa.
Nessa perspectiva, refletimos a articulação de alfabetização pelo ensino da Arte, mais especificamente pela pedagogia do Teatro, intervindo na fissura que se forma na polarização de tendências pedagógicas e práticas metodológicas existentes nas práxis de professores e professoras que atuam neste segmento escolar. Apontamos, primeiro, algumas especificidades do jogo de improvisação teatral e, em seguida, algumas prospecções relativas ao trabalho integrado entre alfabetização e jogo teatral.

2 improvisação e jogo teatral

A espontaneidade é a base da improvisação teatral, que permite aos sujeitos adentrarem o território do faz-de-conta, da possibilidade de mundos, que só a imaginação pode guiar. Pertence aos limites do espontâneo gerar a liberdade pessoal, que viabiliza organicamente a exploração da realidade, provocando momentos de descobertas e de expressões criativas.
O jogo teatral, segundo Koudela (2004, p. 44), objetiva deslocar o sujeito do jogo dramático, um faz-de-conta de caráter subjetivo, para a realidade objetiva da cena teatral, pela dinâmica que “pode ser comparada com a transformação do jogo simbólico (subjetivo) no jogo de regras (socializado)”. Um mecanismo de simulação coletiva de mundos, com a possibilidade do deslocamento tempo-espaço na realidade hipotética.
A ludicidade do jogo é formalizada na medida em que se estabelece regras comuns a todos, envolvendo soluções de problemas, que provoca a alternativas a serem perseguidas. Assim, o jogo teatral, ao ser instaurado, com regras claras e problemas bem definidos, possibilita desenvolver nos sujeitos os sentidos de concentração, imaginação e criatividade.
A não imposição de modelos ou critérios de julgamento propicia aos jogadores a liberdade para se expor e agir em cena. Na perspectiva de Spolin (2008, p. 25), “o jogo teatral passa necessariamente pelo estabelecimento do acordo de grupo, por meio de regras livremente consentidas entre os parceiros. O jogo teatral é um jogo de construção com linguagem artística”. Essa liberdade de vivenciar o presente, acionada pela dinâmica do jogo, deve ser preservada para manter a energia criativa que, consequentemente, se instaura no desenvolvimento da improvisação teatral.
Outro parâmetro essencial ao jogo é afastar o julgamento arbitrário, para evitar a imobilização diante dos critérios de aprovação e desaprovação, inclusive, qualquer medida que apresente caráter autoritário. De acordo com Spolin (2001, p. 6), desde que nascemos vivenciamos a qualificação entre o bom e o mau e “nos tornamos tão dependentes da tênue base de julgamento de aprovação/desaprovação que ficamos criativamente paralisados”.
 O jogo de improvisação teatral só pode ocorrer na coletividade, assim como o próprio teatro é uma arte eminentemente coletiva. Exige, por isso, certo grau de relacionamento do grupo, baseado em acordos comuns e na liberdade de expressão. Para Spolin (2001, p. 9), “a participação e o acordo de grupo eliminam todas as tensões e exaustões da competição e abrem caminho para a harmonia”. Nessa direção, o educador deve participar como um estimulador à participação de todos dentro de suas capacidades individuais e pessoais.
Todos os envolvidos no jogo teatral precisam compreender a importância do trajeto percorrido até o resultado do problema ou conflito teatral, pois nesse percurso são acessados códigos e elementos da linguagem cênica. Assim, além de afastar as tensões sobre processos espontâneos criativos, direciona o foco para elementos constitutivos da linguagem teatral e permite progredir a produções artísticas.
  Um elemento que torna o jogo teatral diferente do jogo dramático, é a plateia ou público. No jogo dramático (Slade, 1978), se dispensa a audiência, pois trabalha a dimensão pessoal do indivíduo, explorando o espaço e assumindo a responsabilidade de representar um papel, que pode expressar pessoas ou coisas. Diferentemente, o jogo teatral (Spolin, 2001), se instaura com o uso da triangulação teatral: ator-texto/ação-público. Nas improvisações, ao se posicionar como público e apreciar o processo de criação dos colegas, o sujeito nesta dimensão percebe a si mesmo no outro e se solidariza com as investidas criativas, que por vezes desestabiliza o ato de improvisar.
Com a possibilidade de imaginar mundos, personagens e acontecimentos específicos, ou melhor, simular realidades, o jogo teatral proporciona vivência de experiências que podem ser transpostas à vida cotidiana. Esta particularidade do teatro amplia a habilidade da pessoa de se envolver com o seu próprio mundo, tornando-se mais crítico e reflexivo. Nesse sentido, desenvolve caminhos para a autonomia e a conquista da cidadania.
Um elemento do jogo teatral, que não se pode ignorar é a “fisicalização”, cujo objetivo é comunicar alguma coisa à audiência (plateia) pela expressão física. Uma forma de levar o indivíduo a encontrar caminhos para acessar as suas memórias emotivas, de forma prática e lúdica. A fiscalização desencadeia um alerta sobre o organismo (psicomotor), estimula a imaginação e desenvolve um processo individual de comunicação do ator com a plateia.
Os jogos teatrais se desenvolvem com algumas estratégias que lhe são peculiares, tais como a resolução de problemas e o ponto de concentração ou foco. A primeira estratégia, referencia esta metodologia como tendência construtivista, por permitir ao sujeito diferentes possibilidades de elaboração do saber a partir da própria perspectiva. A segunda, trata dos mecanismos de concentração, que visam impedir a dispersão no momento do jogo.
Durante o jogo teatral é preciso que a atenção fique direcionada ao problema a ser resolvido e não se disperse, mantendo-se o ponto de concentração. Assim, esses dois elementos estão sempre atrelados, objetivando a progressividade do jogo. De acordo com Spolin (2001, p. 20), o ponto de concentração oportuniza apontar para um único ponto no problema de atuação, desenvolvendo assim a capacidade de resolver problemas e de se relacionar com os outros.
Nos exercícios de jogos teatrais existe a possibilidade de especificar, ainda mais, a concentração do atuante, quando se estabelece os elementos “Onde” (lugar), “Quem” (personagem) e “O que” (ação). Ao se identificar e propor esses parâmetros, a concentração e a capacidade de resolução do problema se amplificam, tornando o jogo mais dinâmico e potente.

3 O JOGO TEATRAL NA ALFABETIZAÇÃO

Para além da condição de saber ler e escrever, o letramento consiste na capacidade de exercitar as práticas de leitura e escrita existentes no meio social, inclusive, considerando a cultura da oralidade. Nessa perspectiva, a prática do jogo teatral possibilita acessar as mais variadas vivências e experimentar outras maneiras de agir e interagir na sociedade.
Um aspecto relevante, no ato de alfabetizar pelos jogos teatrais, é a lógica da comunicação sendo articulada na estrutura do jogo. A todo momento, o jogador é mergulhado em tomadas de decisões, tanto em relação às informações manipuladas no drama da cena quanto à comunicação referente ao diálogo, fator essencial à ação teatral.
O teatro é uma linguagem que possibilita a simulação de mundos ainda impensados e narrativas híbridas e polissêmicas, que podem facilitar o processo de alfabetização. Esta contribuição do teatro é alcançada quando se exige ao estudante imaginar e construir realidades, da mesma forma que no processo de alfabetização utiliza-se mecanismos de comparação, analogia e estruturas metafóricas.
Ao entender a escrita como um sistema simbólico de representação da realidade, podemos colocar a linguagem teatral como importante meio de acesso aos códigos dessa escrita. Em razão do teatro apresentar mecanismos concretos de representação e, ainda, ser capaz de metaforizar realidades. Assim, o jogo teatral não apenas sensibiliza as crianças ao mundo letrado, como também promove a aprendizagem pela concretude de elementos que são essenciais à alfabetização.
O ensino do Teatro na escola se coloca para a alfabetização estética dos estudantes, de forma que eles se apropriem, dentro do possível, dos seus códigos estético-artísticos e façam novas e diferentes leituras de mundos. Assim, o teatro-educação carrega em sua essência perspectivas educativas, que se comparam ao processo de alfabetização e letramento, principalmente quando aponta à construção de narrativas.
O processo de alfabetização escolar exige do professor um amplo trabalho de pesquisa e planejamento, que deve considerar os sujeitos, as suas realidades e vivências. É nesse momento, que acreditamos numa possível parceria entre professores de Arte e de Educação Infantil, para encaminhar ações que potencializem a aprendizagem dos estudantes, acessando abordagens metodológicas e perspectivas epistemológicas que redimensionem o ato de alfabetizar.

6 Referências
KOUDELA, Ingrid Dormien, Jogos teatrais. São Paulo: Perspectiva, 2004.
SLADE, Peter. O jogo dramático infantil. São Paulo: Summus, 1978.
SPOLIN, Viola. Jogos teatrais para a sala de aula: um manual para o professor. São Paulo: Perspectiva, 2008.
SPOLIN, Viola. Improvisação para o teatro. São Paulo: Perspectiva, 2001.

PALAVRAS-CHAVE: Alfabetização; Arte; Jogo teatral; Ensino do Teatro.



[1] Professor de Artes Cênicas na Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Mestre em Ensino das Artes Cênicas pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO.
[2] Ver detalhes em pesquisa do IBGE. Disponível em: https://brasilemsintese.ibge.gov.br/educacao.html Acessado em: 30 Mai 2018.


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